Yes, I'm a sellout.

Sunday, October 15, 2006

E então era como se tivesse os braços esticados para além de mim

Faziam uns meses, talvez uns anos, já não me lembro bem, desde que tinha aprendido a tocar guitarra (ainda aprendo. todos os dias em que toco. Não sei muito, mas consigo tocar algumas musicas.) e tinha-me juntado a uns amigos meus que tinham uma banda de rock/metal ou qualquer coisa assim e precisavam de um vocalista e um guitarrista. Ih, sei que não canto bem, mas ao que parece chegou.

Naquela noite não fazia muito frio, mas dava para senti-lo. "nos ensaios fico sempre com a voz gasta... " penso.. Peço ao baixista um Smint (oops publicidade), porque me dava sempre mais uns minutos de voz... então preferi previnir... talvez tenha ajudado, talvez não.

Fomos chamados ao palco. Todos sabem que o nome não era muito bom, mas também como é que arranjam um nome para descrever tudo o que uma banda é? Ri-me para mim enquanto andava. Como iria parecer aquelas pessoas um tipo à noite ir de t-shirt de manga comprida (sei la.. é o tecido da t-shirt so que com as mangas compridas..) e calções de ganga? Mas isso provavelmente passava mais pela cabeça da minha mãe (sim a minha mamã tinha que estar no meu primeiro concerto com a minha banda. Afinal ela investiu mais nisto que eu) que ela é que se rala mais com isso. Ria-me mais de nervoso.. não me ria como um tique nervoso, ria-me por estar nervoso. Este tipo de nervoso é sempre interessante para mim...

Interessante. apesar de o palco estar aberto à entrada de todos, ali no meio do chão, sem protecções nem barreiras, ao entrar lá dentro e olhar para fora, tanta cabeça. O nervoso desapareceu-me da mente, apesar do meu corpo ainda sentir os seus efeitos. Sabia que nada podia fazer agora senão o que era suposto. Elevei a minha guitarra para me enfiar dentro da fita. Não me sentia estranho. Apesar de ser o vocalista da banda, fui o único a não dizer uma palavra de cumprimento à audiência. O baterista e o guitarrista puseram-se a fazer uma brincadeira (que se calhar nos custara o que mais tarde vos vou dizer) como se tivessem planeado antes. Eram muito prolíficos. O baixista dizia boa noite e umas graçolas quaisquer (so me dá vontade de rir). Feitos novatos na cena, virámo-nos uns para os outros e perguntámos "Prontos?". Sem uma resposta uníssona, o baterista iniciou o compasso que daria lugar à mais perfeita interpretação do tema que jamais fizemos. Os acordes iniciais de Master of Puppets dos Metallica, o equipamento era emprestado mas tinham-me ensinado a passar de distorção para limpo e vice-versa (não que não soubesse, só não era o meu amplificador) . As luzes, etc.. Não sabia se ia ouvir a minha própria voz, só esperava que não saísse muito mau.. Quando comecei a cantar, fiquei mais descansado.. conseguia ouvir-me perfeitamente.

O concerto era dado na minha escola, não conhecia imensa gente, mas quem conhecia estava lá. Só faltava uma pessoa, mas a culpa não foi sua. Quando somos novos sujeitamo-nos a outros. No entanto, haviam crianças a adultos, gente de todas as idades. à volta de 200 pessoas ouviam o nosso som, a maioria sem saber como é que nós tínhamos chegado ali, porque enfim, Metallica não é para todos... As pessoas ficam sentidas. é muito barulho. Eu até entendo, apesar de ser um fã.

Mas o objectivo deste post não é isso... é a sensação... O facto... a cada movimento do meu braço na guitarra, a cada vibração das cordas da guitarra e da minha voz, sentia-me crescer.. Um crescimento anormal. Como se no meu lugar estivesse, eu, de braços abertos, como vemos nos filmes, de braços abertos, a crescer cada vez mais... A minha mente divaga por tudo menos a musica. Esta é já mecânica. Abraço toda a gente no recinto, e depois toda a zona.. não consigo explicar-vos.. nem sequer me dava conta disto, não fosse um "break" pelo baterista que me deixou perplexo. Quebrei a minha divagação, olhei para ele, e quando dei por mim, estava atrasado um compasso e cantei dois versos no lugar de um, para compensar. Impressionantemente a guitarra continuava a tocar a musica dentro de tempo. Prolífico. boa palavra. Concentrei-me de novo. Descobri, enquanto olhava para as caras das pessoas à minha frente, à minha volta, nas alturas em que não tinha de cantar, olhava para os outros membros. Era a melhor sensação de sempre. As pessoas à minha frente vibravam por nós ou pela música, duvido que sentissem o que eu sentia. Nem sei se os meus colegas da banda sentiam o mesmo. Sabia que estava a perceber algo fenomenal. Passámos da master of puppets para a for whom the bell tolls, também dos metallica. todas as musicas que iríamos tocar eram dos metallica, apesar de não sermos uma banda de covers só dos metallica. Aconteceu. O nosso som nessa noite seria o melhor que alguma vez eu ouviria... até um dia que está para vir. Os meus joelhos tremiam, eram os nervos, a minha voz falhou-me um pouco no for whom the bell tolls, mas temos que seguir em frente. Os solos enquadravam-se na perfeição. Não sei o que pensava... tenho uma lembrança desse dia...

De repente acordo desse espectacular sonho... Somos empurrados para fora do palco enquanto entramos na Enter Sandman (acho que disse "fuck" muitas vezes, e a escola tinha muitos bifes e era gerida por um bife..) Senti-me triste, queria ficar ali... Mas estava tão contente ... encontrara... estava ali... Até agora perdi-me... Sei onde estou mas preciso de muito trabalho para me encontrar. Trabalho a que não me posso dar devido a circunstancias externas. Não há-de ser nada. Com o tempo tudo passa. Hei-de voltar aos palcos...

Lembro-me de ver o filme do concerto. Na minha cara mal se nota que estou frente às pessoas... O vento disfarçou as minhas pernas fracas graças aos calções ;) A minha mãe treme (parece medo) a cada palavra que digo, a cada batida da nossa musica...

Estou feliz.

A sensação de ser maior que o meu corpo deixou-me uma marca profunda. Não tenho nada de especial. Sei que toda a gente pode sentir o mesmo. Não bebo, fumo ou tomo drogas, daí sei que não foi alucinação. Sinto que todos somos do tamanho do que possa existir... Sinto que apesar disso não ocupamos o espaço uns dos outros. Sinto que a nossa existência actual e a nossa dependencia voluntária (ou quase, em alguns casos) do material levam-nos à pequenez. Somos pequenos robos. Como se a era industrial tivesse aplicado uma camada de metal sobre todos os homens. Apesar de termos máquinas a desempregar alguns, comportamo-nos como máquinas, em vez de como seres humanos.

Para mim somos enormes. Dói-me a destruição e o desperdício de tanta gente.

Sou só eu. Sou só eu?

3 comments:

Anonymous said...

O teu post quase me fez chorar, porque me trouxe à memória situações da minha vida em que senti o mesmo que tu.
Tens razão quando dizes que abdicamos muitas vezes da nossa condição humana para agirmos como robôs, máquinas programadas para determinadas funções.
Acho que das poucas vezes em que quebramos barreiras e nos sentimos humanos é quando fazemos algo de que realmente gostamos, algo que não nos foi imposto e que nos realiza plenamente. E aí sentimo-nos grandes, ultrapassamos os limites da realidade e deixamo-nos levar pelo momento, como se fosse um sonho. Na minha opinião, talvez essas sejam as únicas ocasiões em que somos verdadeiramente livres ou que, pelo menos, nos aproximamos da verdadeira liberdade.

Afinal, não és só tu...

Anonymous said...

não, não és só tu...Peço desculpa não ter estado lá..não foi por falta de vontade, bem sabes*

Mafalda said...

És tu, só tu, mas sempre tu.

Dizia Fernando Pessoa que "o homem é do tamanho do seu sonho."

Naquele dia foste enorme, gigante, porque o sonho cresceu, porque tu cresceste com esse sonho.

Beijinhos****